Você pode ignorar a inflação, mas não pode ignorar seus efeitos. Ela chega sem aviso, sem decreto, sem manchete. Não precisa ser votada, nem explicada. É a mais covarde das políticas públicas — porque atinge primeiro quem menos pode reagir. E enquanto corrói silenciosamente o salário do trabalhador, protege, preserva e até enriquece aqueles ligados ao poder.
Este artigo não é sobre inflação como fenômeno técnico, mas sobre seu uso político como instrumento de dominação econômica e manutenção de privilégios. O que o Estado não consegue tributar diretamente, ele tributa por meio da desvalorização da moeda. E o nome disso é: imposto invisível.
O que é inflação — e o que ela não é
Tecnicamente, inflação é o aumento generalizado dos preços. Mas isso é só o sintoma. O que provoca esse aumento, na imensa maioria dos casos, é a expansão artificial da base monetária — em outras palavras, o governo ou seu banco central imprimem dinheiro demais para financiar déficits, manipular juros ou bancar políticas de curto prazo.
Essa impressão, como já tratamos em Imprimir Dinheiro: o que isso realmente significa, não é uma ação neutra. O novo dinheiro entra em circulação beneficiando os primeiros a recebê-lo: bancos, empresas estatais, prestadores de serviço público e grandes fornecedores. Os últimos — o assalariado, o pequeno empreendedor, o aposentado — pagam a conta.
O Estado cria o problema — e lucra com ele
A ironia é brutal: o mesmo Estado que causa a inflação também a usa como desculpa para justificar novas intervenções. Se os preços sobem, ele “precisa” controlar o mercado, subsidiar setores e aumentar impostos para “compensar”. Ou seja, a inflação se torna um pretexto para mais Estado.
E mais: o Estado se beneficia da inflação porque ela dilui o valor da dívida pública. Como a maior parte das dívidas do governo está atrelada a valores nominais, desvalorizar o real significa pagar menos em termos reais aos credores internos, inclusive cidadãos que compram títulos do Tesouro como forma de poupança.
Quem perde primeiro: o trabalhador informal e o assalariado
A inflação não afeta todos igualmente. Ela atua como um veneno social: invisível, mas seletivo.
O assalariado com contrato rígido, que não tem reajuste imediato, perde poder de compra mês a mês. O trabalhador informal, que depende da variação de preços diários, perde margem. O pequeno comerciante, que não consegue repassar custos com agilidade, perde competitividade.
E enquanto isso, as castas blindadas do funcionalismo público de alto escalão, cujos salários são indexados ou corrigidos anualmente por “leis próprias”, continuam a receber reajustes sistemáticos — pagos pelos mesmos que estão sendo silenciosamente saqueados.
Quem ganha com a inflação: os bem conectados
A inflação é uma ferramenta de redistribuição regressiva de renda. Mas ao contrário do discurso socialista, não é o mercado quem opera essa distorção — é o Estado, ao manipular a moeda e garantir que os primeiros a receber dinheiro novo sejam os bancos, grandes grupos empresariais e órgãos públicos.
Esses agentes compram ativos antes que os preços subam. Investem, contratam, expandem e se protegem. Quando o dinheiro chega à população, os preços já subiram — e o poder de compra evaporou.
Esse processo foi analisado em A Falsa Neutralidade da Moeda Estatal: Quem Controla o Dinheiro, Controla Você, onde mostramos como o monopólio da emissão monetária serve à perpetuação de uma elite econômica artificialmente sustentada.
A inflação é o imposto sem aprovação
Ao contrário dos tributos diretos, a inflação não precisa ser votada, nem publicada no Diário Oficial. Ela pode ser decidida por meio de política monetária, operações do Banco Central ou endividamento sistemático. Não exige debate público — apenas a passividade da população.
Por isso é chamada de “imposto invisível”: ela não aparece no seu holerite, mas aparece no supermercado. Não é descontada do salário, mas do seu poder de compra. Não financia saúde ou educação, mas o pagamento da dívida e os privilégios das castas blindadas.
A farsa dos reajustes e das metas de inflação
Outro aspecto perverso é o uso político da própria inflação. Quando o governo anuncia que vai reajustar o salário mínimo ou o auxílio com base no IPCA, vende isso como “justiça social”. Mas o IPCA é sempre menor do que a inflação real sentida no consumo popular.
O governo gera o problema, apresenta um paliativo que não cobre a perda real, e ainda capitaliza politicamente com isso.
Além disso, o Banco Central manipula as expectativas do mercado com uma meta de inflação que já considera um certo grau de desvalorização da moeda aceitável. Ou seja: a perda do seu poder de compra não é uma falha — é parte do plano.
Como se proteger (e por que poucos conseguem)
Em um ambiente de inflação persistente, proteger-se exige acesso a instrumentos financeiros sofisticados: investimentos atrelados à inflação, ativos dolarizados, fundos de proteção cambial. Mas quem tem acesso a esses instrumentos?
- Bancos grandes
- Investidores institucionais
- Servidores públicos com renda alta
- Empresários próximos ao poder
O cidadão comum, que mal consegue poupar, não tem como se proteger. A inflação se torna, assim, mais um mecanismo de concentração de riqueza.
Conclusão: o imposto que não se vê, mas se sente
A inflação é o instrumento mais eficiente de destruição silenciosa da renda popular. É um projeto de empobrecimento disfarçado de oscilação econômica. Ela atinge os mais fracos, protege os mais fortes e ancora um sistema em que o Estado ganha duas vezes: quando emite e quando tributa.
Ignorar isso é aceitar ser saqueado todos os dias — sem saber exatamente por quem. A única saída é romper com a narrativa de que a inflação é natural, inevitável ou aceitável. Não é. É um roubo institucionalizado.
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