A falta de acesso à internet de qualidade em regiões afastadas impede o uso de plataformas legais como Netflix, Spotify ou Steam. A pirataria, mais leve, acessível e offline, passa a ocupar esse vazio de mercado, revelando um abandono digital promovido pelo Estado.
O abismo digital brasileiro
Quando falamos em pirataria digital, é comum imaginar usuários oportunistas tentando burlar sistemas pagos. Mas a realidade brasileira é mais dura — e mais profunda. Quase 6 milhões de lares no país ainda não têm qualquer tipo de acesso à internet, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios sobre tecnologia, divulgada pelo IBGE em 2023. Entre os principais motivos estão a falta de habilidade para usar a conexão (33,2%) e o alto custo do serviço (30%), revelando uma exclusão digital não apenas técnica, mas também econômica e educacional. Fonte: G1 – Quase 6 milhões de lares brasileiros não têm acesso à internet, revela IBGE. E, onde o mercado legal não alcança, o mercado informal floresce.
Segundo o relatório TIC Domicílios 2023, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), embora a internet esteja presente em 84% dos lares brasileiros, ainda há milhões de domicílios sem acesso ou com conexões extremamente limitadas. Em áreas rurais e regiões periféricas urbanas, a qualidade da conexão é baixa, instável ou inexistente. Plataformas legais que exigem conexão constante, como Netflix, Steam ou Spotify, simplesmente não funcionam de forma eficiente nessas condições.
Quando a pirataria é mais funcional que o Estado
Nesse vácuo estrutural, a pirataria ocupa um papel paradoxal: é mais eficiente que o poder público. Arquivos compartilhados offline, pen drives com pacotes de filmes e jogos, DVDs ainda vendidos em camelôs — tudo isso preenche o espaço deixado pela ausência de conectividade digna.
Uma reportagem do UOL Tilt mostra que, no Brasil, o “jeitinho” é uma forma de sobrevivência digital. Cursos online, jogos, séries, apostilas e até softwares de produtividade são consumidos ilegalmente não apenas por conveniência, mas por absoluta falta de acesso técnico à legalidade.
O que não chega pela banda larga, chega pela informalidade
Na lógica de mercado, a pirataria preenche um vácuo: ela atua onde o modelo formal não consegue competir. Mas a causa dessa ineficiência, no caso brasileiro, é a omissão do Estado na promoção de infraestrutura básica de conectividade.
Enquanto o governo gasta bilhões em publicidade estatal e repasses para setores privilegiados, a inclusão digital é tratada como um tema secundário, distante das prioridades do planejamento público. Isso cria um paradoxo: exige-se que o cidadão consuma legalmente, mas não se oferece nem o mínimo para viabilizar esse consumo.
Conexão lenta, impostos altos, acesso bloqueado
Como vimos no post “Carga Tributária: o Custo Estatal do Acesso à Cultura”, o Estado brasileiro transforma cultura e tecnologia em artigos de luxo. Mas o problema se agrava quando cruzamos essa política tributária com a má qualidade da infraestrutura digital nacional.
Mesmo aqueles que desejam pagar por um curso online ou assinar uma plataforma legal enfrentam o seguinte cenário: preços elevados, conexão limitada, serviços que travam e uma assistência técnica precária. Não é só o custo que desestimula o consumo legal — é o colapso do serviço público de base.
O Estado exige legalidade onde não há viabilidade
Esse cenário se conecta diretamente com o que expusemos em “Como o Estado empurra a População para a Pirataria”. O aparato estatal trata o consumidor informal como criminoso, sem jamais reconhecer que ele foi empurrado para essa condição por políticas públicas desastrosas.
Não há uma política nacional de infraestrutura digital robusta, descentralizada e eficiente. O que temos são projetos fragmentados, lentos e com baixa execução. Enquanto isso, comunidades inteiras ficam reféns de conexões móveis de baixa velocidade e pacotes de dados escassos — condições que impedem o consumo de serviços digitais pagos.
Plataformas legais punem os desconectados
Hoje, plataformas como Steam, Spotify e até Google Drive dependem de autenticação online constante. Isso exige não apenas conexão, mas estabilidade e velocidade. Muitos brasileiros simplesmente não conseguem completar um download ou assistir a um vídeo em resolução mínima, sem interrupções.
O que resta? Arquivos offline, versões pirateadas que rodam sem verificação online, mídias alternativas distribuídas em comunidades, feiras e grupos de WhatsApp. A pirataria é ilegal, sim — mas ela é funcional onde o Estado é ausente.
A omissão como forma de exclusão
A ausência de infraestrutura digital é uma forma de exclusão moderna. Não ter internet de qualidade é como não ter estrada, escola ou energia elétrica. É ser excluído da vida econômica, educacional e cultural do século XXI.
Mas enquanto a infraestrutura física é debatida e visível, a exclusão digital é silenciosa — e pior: é ignorada pelos próprios gestores públicos que criminalizam o consumo informal.
Livre mercado também é inclusão digital
A verdadeira inclusão digital não virá de comissões, fundos públicos ou projetos centralizadores. Ela virá da liberdade de mercado, da desburocratização do setor de telecomunicações, da entrada de mais empresas no setor de infraestrutura, e da eliminação de barreiras que impedem a inovação tecnológica no Brasil.
É o livre mercado — e não o protecionismo estatal — que conecta, inova, reduz custos e amplia o acesso. A pirataria perde força quando o legal se torna acessível, funcional e competitivo. Mas para isso, o Estado precisa sair do caminho e permitir que o setor produtivo faça o que ele não consegue: atender o cidadão.
Conclusão: sem internet, não há escolha
Não há moralidade possível na exigência de legalidade onde não existe viabilidade. A pirataria digital, em muitas partes do Brasil, não é um desvio de conduta — é a única alternativa viável diante da omissão estatal.
Enquanto o Estado gasta tempo e recursos em repressão, a população busca formas de acessar o mínimo de conteúdo digital que lhe é negado por uma estrutura pública falida. E onde o Estado não chega, o mercado informal chega — mais rápido, mais leve e, muitas vezes, mais justo.
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📌 Referências
- G1 – Quase 6 milhões de lares brasileiros não têm acesso à internet, revela IBGE
- CGI.br – TIC Domicílios 2023: Relatório sobre acesso à internet no Brasil
- UOL Tilt – “Com pirataria, brasileiro dá jeitinho em tudo: do filme ao curso de pós”
- Poder & Mercado – Como o Estado empurra a População para a Pirataria
- Poder & Mercado – Carga Tributária: o Custo Estatal do Acesso à Cultura