O excesso de impostos sobre produtos culturais, tecnológicos e de entretenimento legal torna seu consumo inviável para milhões de brasileiros. O Estado taxa o acesso à cultura como se fosse um luxo, empurrando parte da população para o consumo pirata como única alternativa. como já mencionamos em Como o Estado empurra a População para a Pirataria
A cultura sob taxação punitiva
Em um país em que o salário mínimo mal cobre a sobrevivência básica, esperar que a população pague R$ 300 por um jogo de videogame or R$ 80 por um livro técnico revela um abismo entre a realidade das pessoas e a lógica fiscal do Estado. A carga tributária sobre produtos culturais e tecnológicos no Brasil está entre as mais altas do mundo, atingindo até 72% do valor final em alguns casos.
Segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), divulgado pelo UOL, um console de videogame como o PlayStation 4 chegou a ter 72,18% do seu preço composto por impostos — o que significa que, de um produto de R$ 3.999, quase R$ 2.900 eram tributos. Fonte.
Em vez de promover o acesso à cultura, o Estado brasileiro a sufoca sob o peso de tributos, tratando livros, jogos, filmes, softwares e plataformas digitais como se fossem artigos de luxo. É uma política que não só ignora o papel da cultura na formação cidadã, mas criminaliza indiretamente o desejo de aprender, se informar ou se entreter legalmente.
A pirataria como resposta, não como crime
A consequência dessa política é visível: milhões de brasileiros recorrem à pirataria como forma de acesso ao conteúdo que, em condições normais de mercado, poderiam pagar. A pirataria digital, longe de ser uma escolha moral clara, torna-se muitas vezes a única via possível para se inserir no universo cultural global.
Felipe Deprá Galdino, em sua obra “A Pirataria Digital e o Direito Penal Brasileiro” (UNICEUB, 2017), demonstra como o sistema jurídico trata a pirataria de forma punitivista, ignorando os fatores econômicos e sociais que a alimentam. Em vez de rever sua política fiscal, o Estado responde com repressão — e, assim, reforça o ciclo de informalidade, desigualdade e marginalização.
Tributação cultural: um fenômeno estrutural
Esse problema não se limita ao setor de games. Livros técnicos, materiais acadêmicos, softwares profissionais, cursos online e plataformas de streaming também enfrentam um ambiente tributário hostil. Até pouco tempo, livros estavam isentos de impostos federais, protegidos por uma imunidade prevista na Constituição. No entanto, em 2020, o governo federal propôs, por meio da reforma tributária, a cobrança de um imposto sobre livros, sob a justificativa de que os mais pobres ‘não leem’. A proposta gerou forte reação de entidades do setor editorial, professores, leitores e economistas. O debate reacendeu a pergunta essencial: cultura é um direito ou um privilégio? Fonte – G1.
A estrutura fiscal brasileira é desenhada para arrecadar o máximo possível, e não para promover acesso, inovação ou diversidade cultural. Isso cria um mercado restrito, em que apenas uma elite consegue consumir legalmente — enquanto o restante da população se vê empurrado à informalidade.
Quando o acesso legal se torna impraticável
É importante compreender que a pirataria não compete com a legalidade em pé de igualdade. Ela só cresce quando o ambiente legal é hostil, caro ou inacessível. Ao contrário do que sugerem algumas campanhas institucionais, o problema da pirataria não se resolve apenas com propaganda moralista ou operações policiais. Ele exige um olhar econômico.
Um país que quer combater a informalidade precisa antes tornar o acesso formal possível. Isso significa rever a lógica fiscal aplicada à cultura. Significa entender que o acesso à informação, à arte, à literatura, à ciência e à tecnologia é um pilar da liberdade, e não um privilégio tributável.
A política do luxo cultural
O que vemos no Brasil é a construção de um modelo de exclusão cultural institucionalizada. Em vez de subsidiar o acesso — como fazem diversos países — o Estado onera os bens culturais como se fossem champanhe francês. O efeito colateral? O incentivo involuntário à pirataria.
O mesmo Estado que pune o compartilhamento de livros PDF ou jogos via torrent é aquele que cobra impostos sobre cada etapa da cadeia de distribuição legal, tornando o produto final inviável. Em muitos casos, um curso, uma ferramenta ou um livro baixado ilegalmente não concorre com a versão oficial — ele preenche o vazio deixado pelo Estado.
A comparação internacional
Basta comparar com países que entendem cultura como um ativo estratégico. Em diversas nações europeias, livros e materiais educacionais têm isenção total de impostos. Plataformas de streaming são estimuladas, bibliotecas são digitalizadas e softwares de código aberto são financiados por governos locais.
No Brasil, o movimento vai na direção contrária: onerar, burocratizar, censurar e criminalizar. Enquanto o mundo discute o acesso como um direito digital, o Estado brasileiro continua tratando cultura como um artigo de luxo e o consumidor como suspeito.
O papel da liberdade econômica
O livre mercado é, em essência, um mecanismo de democratização do acesso. Quando há concorrência, inovação e liberdade de preços, os produtos se tornam mais acessíveis, e a pirataria perde força. O problema surge quando o Estado distorce esse processo, substituindo a lógica da cooperação voluntária pela coerção tributária.
A defesa da liberdade econômica é, nesse contexto, também uma defesa do acesso legítimo à cultura e ao conhecimento. Reduzir impostos sobre produtos culturais não é um privilégio fiscal — é uma política de liberdade, de inclusão e de justiça real.
Conclusão: acesso não é crime — é bloqueado
O Estado brasileiro insiste em tributar o acesso à cultura como se estivesse punindo o desejo de saber. A pirataria, nesse cenário, é menos uma violação da lei e mais um sintoma de um sistema que não entende a função social da cultura.
Se quisermos combater de verdade a pirataria, precisamos antes derrubar as barreiras que tornam o consumo legal impossível. E isso começa com uma mudança profunda: tratar cultura como bem público, não como fonte de arrecadação. Tratar o cidadão como agente livre, não como criminoso em potencial.
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📌 References
- G1 – “Taxação de livros: como proposta de reforma tributária pode encarecer obras”
- UNICEUB – Felipe Deprá Galdino, A Pirataria Digital e o Direito Penal Brasileiro (2017)
- Valor Econômico – “Carga tributária sobre games no Brasil supera 70%”
- UOL Economia – “Videogame tem 72% de imposto”