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A farsa do real: como destruímos o valor da nossa própria moeda

Moeda de 1 real enferrujada e desintegrando-se ao fundo de um cenário rachado, com uma família caminhando em direção a Brasília sob nuvens escuras e etiquetas de preços flutuando.

Lançado em 1º de julho de 1994 como símbolo de estabilidade, o real foi apresentado aos brasileiros como uma solução definitiva para a hiperinflação. Na prática, o Plano Real trouxe alívio imediato, mas sua promessa de valor duradouro se revelou ilusória. Trinta anos depois, a moeda perdeu mais de 80% do seu valor de compra frente ao dólar e mais de 700% em relação à inflação acumulada. O real tornou-se uma moeda que existe no nome, mas não na substância: uma referência contábil corroída pela inflação, desvalorizada no câmbio e desconectada da realidade da população.

Antes de prosseguir, vale lembrar de dois pontos centrais já abordados aqui no blog: como a inflação funciona como um imposto invisível que transfere riqueza do trabalhador para o Estado, e como o Banco Central, mesmo sob promessa de independência, continua vulnerável à pressão política.

Neste artigo, analisamos como chegamos a essa situação — e por que o real, longe de representar estabilidade, passou a simbolizar o fracasso crônico da política monetária brasileira.


O início promissor — e o mito da estabilidade

A criação do real foi um marco histórico. Após décadas de hiperinflação, congelamentos, tabelamentos e fracassos econômicos, o Plano Real conseguiu, inicialmente, estabilizar os preços. A nova moeda foi lançada com paridade ao dólar — R$ 1 valia US$ 1 em 1994 — e um discurso de seriedade fiscal.

Mas essa estabilidade era frágil e dependente de um tripé que o próprio Estado sabotaria nos anos seguintes: responsabilidade fiscal —, o governo se compromete a equilibrar receitas e despesas, evitando déficits que pressionam a inflação; metas realistas de inflação — trata-se de estabelecer objetivos claros para o controle dos preços, ancorando expectativas e protegendo o poder de compra; e câmbio verdadeiramente flutuante — um sistema em que o valor da moeda é definido pelo mercado, sem manipulações políticas que geram distorções. O excesso de gastos, a expansão de subsídios, a politização do Banco Central e o uso da inflação como ferramenta de ajuste desmontaram progressivamente a credibilidade da moeda.


A inflação come o real por dentro

De acordo com levantamento do site Poder360, a inflação acumulada desde o lançamento do real, medida pelo IPCA, atingiu impressionantes 708% até maio de 2024. Isso significa que R$ 100 em 1994 equivalem a cerca de R$ 808 hoje, em termos nominais. Nas palavras do próprio texto da reportagem: “Ao longo dessas três décadas, a moeda brasileira perdeu 83% de seu valor frente ao dólar. Um sinal claro do desgaste sofrido por políticas econômicas frágeis, déficits fiscais persistentes e ciclos inflacionários que corroem o poder de compra do trabalhador.” (Poder360 – Real perdeu 83% do valor frente ao dólar em 30 anos)

Pior: a inflação brasileira atinge com mais força os itens essenciais — alimentação, transporte e habitação — o que significa que o custo de vida do cidadão comum aumentou muito mais do que as estatísticas sugerem.

Esse cenário se agrava quando consideramos a estagnação da renda média. Segundo dados da Pnad Contínua, o rendimento real do trabalhador brasileiro se manteve praticamente congelado na última década, o que implica uma perda de qualidade de vida silenciosa, mas contínua.


Câmbio: da paridade à humilhação

O real nasceu com uma ilusão perigosa: a de que poderia se equiparar ao dólar. Desde então, sua trajetória foi de declínio. Em 2024, a moeda brasileira atingiu a cotação de R$ 5,91 por dólar, o maior patamar nominal da história, de acordo com matéria de O Globo. Mas esse recorde foi rapidamente superado: no dia 25 de dezembro de 2024, o real atingiu sua pior cotação da história, chegando a R$ 6,73 por dólar. Esse valor não apenas superou os picos das crises anteriores, como consolidou o colapso da credibilidade fiscal e monetária do país. A moeda brasileira, outrora apresentada como símbolo de estabilidade, tornou-se uma referência de fraqueza cambial frente aos olhos do mundo.

A queda de valor da moeda brasileira reflete não apenas desequilíbrios macroeconômicos, mas a percepção global de risco: investidores veem o Brasil como um país instável, fiscalmente irresponsável e politicamente imprevisível.

Essa desvalorização tem efeitos diretos sobre o dia a dia: encarece importações, pressiona os preços de alimentos, combustíveis e insumos industriais, alimentando ainda mais a inflação interna.


A farsa silenciosa do IPCA

O IPCA, índice oficial de inflação, é frequentemente usado para mostrar que “a inflação está sob controle”. Mas a experiência cotidiana dos brasileiros desmente essa narrativa.

Segundo uma análise do Investing.com, mesmo quando o IPCA aponta variações aparentemente modestas, o aumento de preços acumulado em bens essenciais é brutal. Um levantamento da plataforma mostra que, entre 1994 e 2023, o real perdeu mais de 85% do seu poder de compra em alimentos e habitação, com alguns itens subindo mais de 1.000%.

Essa desconexão entre os índices oficiais e a realidade dos consumidores faz parte da farsa: manipular expectativas para proteger a política monetária, enquanto a moeda enfraquece e os salários ficam para trás.


A moeda como ferramenta de dominação

A desvalorização contínua do real não é apenas um fracasso técnico — é uma escolha política. O Estado brasileiro, incapaz de conter seus próprios gastos, recorre sistematicamente à inflação como forma de financiar déficits e adiar reformas.

Essa prática transfere riqueza dos mais pobres para o centro do poder: enquanto os cidadãos perdem valor em seus salários e economias, o governo ganha margem para gastar sem arrecadar mais impostos oficialmente.

Trata-se de um “imposto oculto”, como já denunciavam economistas da Escola Austríaca, como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. A inflação não é um fenômeno natural — é uma forma de extração coercitiva de recursos, promovida por um sistema monetário controlado politicamente.


O real perdeu o nome e o sentido

O nome “real” carrega ironia. Ele pretende evocar solidez, confiança, algo tangível. Mas hoje, o real é uma unidade contábil fictícia: seu valor não é determinado pela produtividade da economia, mas pela vontade política de Brasília.

Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou que, para manter o poder de compra da moeda nos níveis de 1994, o salário mínimo brasileiro precisaria estar próximo de R$ 3.000 — mais do que o dobro do valor atual.

Essa disparidade entre o valor da moeda e a realidade da renda revela a profundidade do problema: estamos lidando com uma desvalorização estrutural, não conjuntural. E a política monetária não tem conseguido (ou desejado) reverter esse quadro.


O mito do Banco Central “independente”

Muito se falou da independência formal do Banco Central aprovada em 2021. Mas, na prática, a política monetária continua sujeita à pressão política.

A recente tentativa de descredibilizar o Comitê de Política Monetária (Copom), somada à instabilidade nas metas de inflação e às indicações alinhadas a interesses do governo, mostra que a independência é mais aparente do que real.

Sem autonomia de fato, o Banco Central torna-se um instrumento de curto prazo para conter crises políticas — não um guardião da estabilidade da moeda.


Como o brasileiro reage: fuga para o dólar, bitcoin e imóveis

Diante da perda de confiança no real, os brasileiros procuram alternativas para preservar valor. A demanda por dólar em espécie aumentou, as corretoras registram alta procura por ETFs internacionais e o investimento em criptomoedas e imóveis se tornou uma válvula de escape.

Segundo a Bloomberg Línea, em 2023 o número de brasileiros com contas de investimento no exterior cresceu mais de 200%. A busca por proteção é legítima — e revela o fracasso da política econômica em oferecer uma moeda confiável.


Conclusão: o real como retrato do Brasil político

O real não falhou por si só. Ele é apenas o espelho de um Estado que não quer cortar gastos, não consegue reformar suas instituições e prefere transferir seus custos para a população via inflação.

Enquanto não houver responsabilidade fiscal real, metas de inflação críveis e autonomia técnica nas decisões monetárias, o real continuará a ser uma moeda fraca — uma ficção contábil que nos lembra, diariamente, que estamos pagando o preço da má gestão política.

O Brasil precisa de uma reforma monetária que vá além da maquiagem nos índices. É hora de reconectar o valor da moeda à liberdade, à responsabilidade e à produção — não ao populismo fiscal e à manipulação inflacionária.


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Leia também: O ciclo da inflação: da impressão ao empobrecimento e O Banco Central é realmente independente?


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